USUCAPIÃO DE BEM IMÓVEL 


Sou o dono de um imóvel (casa, apartamento, gleba, sítio, fazenda, lote etc.) e não encontrei meios de transferi-lo para o meu nome. O que posso fazer?


Quando existir uma maneira específica de transferir a titularidade do imóvel para o seu nome, esta deverá ser a sua primeira opção, como regra. Por exemplo: comprei um apartamento mediante a assinatura de um compromisso de compra e venda, com firmas reconhecidas em cartório, já paga a totalidade do preço, e o vendedor está se negando a outorgar a escritura definitiva em meu favor. Neste caso, existe a chamada adjudicação compulsória, que é um procedimento específico pelo qual o vendedor é forçado a outorgar a escritura definitiva ao comprador. Então, nessa hipótese, não seria necessária a usucapião, tendo em vista que já existe um procedimento específico para sanar a irregularidade.

Sim, dissemos "a" usucapião, com o artigo feminino. É um termo que comporta tanto o gênero feminino como o masculino. Poderíamos dizer também "o" usucapião. Mas nunca devemos dizer "usu capião", "uso capião" e tampouco "uso campião", que são formas incorretas, ditas apenas na linguagem popular.

Em que situações a usucapião é possível?

Podemos dizer que o cabimento da usucapião é residual. Ou seja, caberá usucapião sempre que a regularização da titularidade do imóvel não puder ser feita de outra forma, por meio de um procedimento mais específico. Vale frisar, no entanto, que os imóveis públicos não podem ser usucapidos.

Quais são os requisitos para a usucapião?

São diversas as modalidades de usucapião previstas em nossa legislação, e em cada uma delas há requisitos específicos. Em alguns casos, é necessário que o imóvel tenha um tamanho máximo de 250 m²; em outros casos é necessário que o imóvel usucapiendo seja utilizado como moradia habitual do consulente ou que este tenha realizado no imóvel obras ou serviços de caráter produtivo. Há casos, por exemplo, em que a usucapião só é permitida para índios (modalidade muito específica chamada usucapião indígena). O que vale adiantar aqui é que existem requisitos básicos para todas as espécies de usucapião, que são a posse pacífica do imóvel por um longo período e que o interessado realmente se sinta e aja publicamente como dono do imóvel. Diz-se no meio jurídico que a posse deve ser "mansa e pacífica" e com o "animus domini" (sentimento daquele que se considera o verdadeiro dono do imóvel).

Qual é o prazo que eu preciso ficar na posse pacífica do imóvel, sentindo-me e agindo como dono para ver a titularidade ser declarada a mim por meio da usucapião?

Como dissemos acima, existem diversas modalidades de usucapião, de modo que há um prazo específico para cada uma. Os casos mais comuns são de 05, 10 e 15 anos. Mas também há casos em que se pode obter a usucapião em apenas 02 anos, quando um ex-cônjuge ou ex-companheiro abandona o imóvel de propriedade comum do ex-casal. Vale ressaltar que nesta hipótese há mais alguns requisitos que devem ser observados, como, por exemplo, o imóvel ser urbano e não ultrapassar os 250 m².

Para ilustrar melhor, vamos dar alguns exemplos práticos do cabimento da usucapião (o último deles sob um ponto de vista diferente, um tanto injusto):

1.  Arthur adquiriu o imóvel de Bruno, seu irmão, há 20 anos, e, tamanha era a confiança entre eles, que nem chegaram a registrar o negócio por escrito. Agora, infelizmente,  seu irmão faleceu e os filhos do falecido, Carlos e Clóvis, sobrinhos do Arthur, disseram que o imóvel lhes pertence, porque está em nome do falecido pai. Arthur poderá transferir a titularidade do imóvel para o seu nome, independentemente das pretensões dos seus sobrinhos Carlos e Clóvis, por meio da usucapião.

2. Denise era casada com Eduardo e ambos residiam no mesmo apartamento em São Paulo, de 150 m², de propriedade comum do casal. O imóvel estava somente em nome de Eduardo, mas pertencia também à Denise por força do regime de comunhão de bens havido pelo casamento. Em 2021, após uma briga, Eduardo abandonou o lar e foi morar em no Paraná, passando Denise a exercer a posse direta sobre o imóvel com exclusividade, sem oposição, de forma ininterrupta por mais de dois anos. Denise, que nunca havia feito nenhum pedido de usucapião, poderá transferir o apartamento integralmente para o seu nome por meio da usucapião.

3. Francisco alugou uma casa de sua propriedade para Glaucia, em 2005, por meio de contrato de locação de 30 meses. Após o término do prazo inicialmente previsto, a locação foi prorrogada automaticamente por prazo indeterminado, seguindo Glaucia como inquilina e mantendo em dia os pagamentos dos aluguéis e acessórios até 2009, quando soube do falecimento do locador Francisco. A partir daí, Glaucia tentou realizar o pagamento do aluguel seguinte ao falecimento a eventuais filhos ou cônjuge do locador Francisco, mas não obteve sucesso. Não encontrou ninguém que tivesse legitimidade e interesse para tratar da locação entabulada entre ela e o finado Francisco. Passados alguns meses, já em 2010, Glaucia se convenceu de que ninguém pleitearia o referido imóvel, convicta de que agora ela era a sua dona, pois nenhum parente de Francisco havia demonstrado interesse na casa, onde ela, Glaucia, permaneceu residindo até 2023. Cabível, portanto, a usucapião para que a titularidade seja transferida junto ao registro de imóveis para o nome de Glaucia.  

4. Heitor residia de favor na casa de um parente seu no Maranhão, até que foi contratado para trabalhar como caseiro no sítio de Igor, de 30 hectares, no interior de São Paulo. Depois de alguns anos de bom relacionamento profissional, em 2018, Igor desapareceu, sem deixar nenhum contato, e Heitor seguiu residindo no sítio, pois não tinha outro imóvel para morar e tampouco recursos que lhe permitissem comprar ou alugar outro imóvel. Com o desaparecimento de Igor, não mais recebendo salário, Heitor começou a usar o imóvel como se fosse o dono, plantando milho e cana de açúcar no local para venda, utilizando os recursos obtidos para si mesmo e também para novas plantações e melhorias no imóvel. Este é mais um caso em que a usucapião é possível, na modalidade rural, também chamada de usucapião pro-labore.

5. Juliana emprestou sua casa de veraneio para Kátia, sua mãe, para que esta a utilizasse durante as férias de verão. Juliana entregou as chaves para sua mãe, Kátia, e verbalmente permitiu o seu uso. Após 03 meses, Juliana pediu que sua mãe devolvesse o imóvel, mas Kátia não o fez. As duas discutiram e Juliana, tomada pela raiva, notificou a sua mãe no sentido de que o empréstimo verbal da casa havia terminado e que as chaves deveriam ser devolvidas impreterivelmente até março de 2013. Kátia não devolveu as chaves e sequer respondeu. Juliana foi convencida pelos conselhos leigos de seus familiares a não ingressar com a ação judicial para retomar a posse casa, acreditando que seria uma boa ação. Juliana simplesmente deixou a questão de lado e Kátia, sua mãe, seguiu morando no imóvel, até que em abril de 2023 Juliana recebeu uma citação de um processo judicial de usucapião movido por Kátia, em que a sua própria mãe pleiteou a usucapião para obter o reconhecimento da propriedade do imóvel da sua filha. Neste caso, para o azar de Juliana, sua mãe preencheu os requisitos da usucapião e há grandes chances de que Kátia, com o aval do Poder Judiciário, tome a propriedade do imóvel de veraneio da sua filha Juliana.

Esses são apenas alguns exemplos que envolvem a usucapião. O importante é estar sempre amparado pelo direito e assessorado por um bom escritório de advocacia. Seja para se defender de um pedido indevido de usucapião ou para ver declarada a propriedade de um imóvel em seu favor, contrate uma assessoria jurídica especializada.

Fernando Gelcer Advocacia é um escritório dirigido pelo Dr. Fernando Gelcer, advogado que atua na área do direito imobiliário desde 2010 e é pós-graduado pela PUC/SP em direito imobiliário.